(Ruinas das Reduções Jesuítico-Guaranis - São Miguel das Missões - RS)
A "PRÉ-HISTÓRIA" DO EVANGELHO EM SOLO GAÚCHO
por: Danielson Warpechowski
Porto-alegrense de nascimento, passei toda minha infância e adolescência em Guarani das Missões - minúscula cidadezinha na "Região Missioneira" no Noroeste do Rio Grande do Sul. A cultura gaúcha é singular por si só, mas uma destas "singularidades" são as variâncias da cultura; há pontos comuns: o chimarrão, a culinária (churrasco, arroz-de-carreteiro, pochero, etc), a vestimenta (pilcha, vestido-de-prenda), os ritmos (vaneira, xote, chamamè, milonga, bugio, etc), e outros tantos pontos em comum... Mas há também variâncias de cultura de região para região do Rio Grande do Sul: serra, pampa, missões, litoral, fronteira, metropolitano...
Uma das variâncias encontradas na região missioneira do RS é um lirismo bucólico, e uma espiritualidade a-religiosa, manifesta no folclore, na poesia e na música dos gaúchos que habitam nesta parte do noroeste do Rio Grande do Sul. Em parte, esta característica está relacionada com a foma com que esta região foi "colonizada": os jesuitas espanhóis foram enviados para cá no século XVII, para "catequizar os índios" - mas este choque entre o paganismo nativo e a doutrinação européia resultou numa cultura nova, com mística diferenciada: a "cultura missioneira" - presente, até certo ponto, até os dias de hoje. E isso influencia diretamente tanto na religiosidade, quanto em aspectos sócio-culturais.
Quando iniciou-se o avanço missionário de Evangélicos europeus e norte-americanos para o Brasil, no século XIX, tiveram que lidar com esta específica mística e tradição cultural aqui no sul para aquém do Rio Uruguai.
Pude viver isso minha infância toda, e estudar isso na escola...
Quando adulto, recebi uma bolsa de estudos na Universidade Regional Integrada - URI, em Santo Ângelo, para cursar Psicologia - e meu trabalho como bolsista era atender no Centro de Cultura Missioneira e no Núcleo de Arqueologia da URI. No CCM/URI pude estudar o que vivi na infância, na época, como ateu racionalista.
Ao me converter ao cristianismo, esta experiência de vida e de academia me fez refletir sobre as origens do Evangelho de Cristo em terras gaúchas. E eis um breve resumo:
Em 1517, a grande marca expansiva do movimento da Reforma
Protestante, confrontou diretamente a
tradição e o poderio político-econômico da Igreja Católica Apostólica Romana e de
seu Papa. A resposta Católica ao protestantismo foi a “contra-reforma”: ações e
estratégias católicas para tentar anular os efeitos dos reformistas
protestantes, e recuperar o domínio católico perdido. Os principais atos
católicos da “contra-reforma” foram:
·
O Concílio de Trento (1545), que reafirmava o
credo católico, as tradições e dogmas, a autoridade papal – e a punição para os
dissidentes;
·
O “Tribunal dos Santos Ofícios”, ou “Santa
Inquisição” – um protocolo de julgamento e condenação para todos os dissidentes
da doutrina católica – que levou a tortura e morte milhares de pessoas;
·
A criação de novas ordens religiosas, entre elas
a “Companhia de Jesus” (os “jesuítas”);
·
Envio de missionários católicos para catequizar
os nativos das colônias.
Estes dois últimos pontos é que chamo de “pré-história” das
missões no Rio Grande do Sul, porque os jesuítas foram enviados à região (que
hoje é o Rio Grande do Sul) para catequizar os índios, criando as 30 reduções
jesuítico-guaranis que, após a guerra guaranítica, foi reorganizada em
sete - que foram dizimadas pelos
bandeirantes após o Tratado de Madrid (1750). A relação que faço de
“pré-história” é que foi o primeiro contato do Rio Grande do Sul com princípios
do Evangelho – ainda que totalmente subjugado aos costumes e dogmas católicos
romanos.
Sim, os jesuítas catequizaram os índios dentro do
Catolicismo Romano: panteão de santos, rituais litúrgicos, dogmas,
“mariolatria”, “papalatria”, etecétera... No entanto, a catequese “não deu
muito certo” entre os índios pois, embora aceitassem a parte mística oferecida,
jamais concordaam com a organização política da Igreja de Roma – e isso se
tornou um problema, porque dificultava o envio de riquezas para o Vaticano, e
os padres se viam em maus lençóis, acusados de “desobediência papal” devido a
rebeldia de seu rebanho.
Com esse comportamento, as reduções jesuítico-guaranis se
tornaram desinteressantes tanto para
Roma quanto para a Coroa Espanhola, que por fim trocaram as terras por
outras no Tratado de Madrid, e a Coroa Portuguesa enviou bandeirantes para
tomarem posse das terras – gerando a matança dos povos que ali habitavam em
cidades de mais de 20 mil habitantes, a destruição e pilhagem de todo o
patrimônio; os sobreviventes, desgarrados, se tornaram os “gaúchos” – solitários
habitantes dos pampas, hábeis tanto para atividade pastoril quanto para a
guerra, e com desenvolvido talento poético-musical.
Um século se passou. O Catolicismo se instalou
no ambiente urbano, mas no ambiente rural ainda permanecia reminiscências do
“espírito gaúcho” – e foi isto que foi encontrado pelos primeiros missionários
evangélicos, no século XIX: um povo espiritualizado, ainda que sem
fundamentação da Sã Doutrina Bíblica. Os pioneiros evangélicos luteranos,
batistas e metodistas emocionaram-se ao testemunharem famílias inteiras
trocando as crendices e superstições tradicionais pela Verdade do Evangelho de
Jesus Cristo. Era o século XIX, o “século da expansão missionária”, o começo da EVANGELIZAÇÃO do Rio Grande do
Sul!
Danielson Warpechowski
(missionário E missioneiro)
